sábado, 21 dezembro

    Indiferença

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    Basta chegar em casa, após mais um dia de trabalho, ligar a televisão em busca de noticiário ou, principalmente, de entretenimento e lá vem o tapa na cara. Crianças com olhares tristes vendo crianças igualmente tristes porque não conseguem mudar de vida, deixar as ruas, abandonar a miséria ao lado de adultos que nada enxergam. Quando o olhar é da criança, lá está o retrato da desesperança. Quando a imagem reflete a visão dos adultos, lá não há nada, apenas indiferença.
    Sentimento este que cresce em proporção geométrica na medida em que se assiste à tudo aquilo como se fosse apenas mais um comercial de televisão, como se falasse de uma realidade muito distante. Indiferença tão grande que não permite perceber quem marginaliza quem, quem fere quem mortalmente, quem ignora o outro.
    Não é preciso ir longe para perceber que o quadro de miséria, de abandono, se repete a cada esquina, a cada instante.
    Em muitos, os moradores de rua provocam sentimento de pesar, em outros tantos, de revolta. Em mais alguns, de espanto e até de medo. Certo é que a maioria não consegue ficar indiferente ao problema. A diferença é que uns reagem, enquanto outros, passam adiante, seguem caminhos sem sequer voltarem os olhos para o lado, para trás.
    Há quem vai à igreja, se depara com cenas terríveis, entram, oram e voltam abençoados para suas casas sem notar o corpo atirado ao chão, sob o único teto que conhece, o do céu com ou sem estrelas. Muitos preferem acreditar que são bêbados, apenas bêbados, como se isso fosse o suficiente para justificar os braços cruzados, o lavar as mãos, o não fazer nada.
    Muitos preferem culpar os governantes e responsabiliza-los por aquelas cenas terríveis. Acreditam que assim fazendo cumprem seu papel social. Sequer se dão ao trabalho de procurar saber qual é a realidade da população de rua do bairro, da região, da cidade.
    Quem procede assim, certamente não tem problema de consciência, mas também não consegue enxergar pessoas que tem como mérito maior a generosidade, a dedicação ao próximo, o serviço social, remunerado ou não.
    Não é pequeno o número de moradores de rua que resiste às abordagens, que já desistiram de retomar a vida chamada normal, de convivência próxima com familiares e amigos. É opção a ser respeitada. Há, entretanto, outros tantos que não o fazem por completa incapacidade, por derradeira impossibilidade, por total solidão.