A pergunta a este consultor é recorrente: o governo Bolsonaro chegará ao final? A questão é suscitada por causa das intempéries – tensões, idas e vindas – que têm caracterizado esses cinco meses de administração federal. Mexo com minhas bolas de cristal, mas não consigo vislumbrar resposta convincente. No limite, aponto o Senhor Imponderável dos Anjos como assíduo visitante ao nosso roçado político-institucional.
Mas a ciência política trabalha com instrumentos capazes de medir a viabilidade de um governo, a possibilidade de um mandatário sustentar seus vetores de força durante o mandato. Pinço, a propósito, alavancas que Carlos Matus, renomado cientista político chileno, usa em seus brilhantes ensaios sobre estratégias políticas. Na análise de viabilidade de um governo, ele aponta quatro eixos que ajudam a balizar respostas à pergunta acima colocada.
Os quatro eixos são: a) a viabilidade política; b) a viabilidade econômica; c) a viabilidade cognitiva e d) a viabilidade organizativa. A primeira diz respeito à índole dos políticos e sua inclinação para aprovar ou desaprovar a agenda que provém do Executivo. Essa possibilidade, como é sabido, depende muito da capacidade de articulação do governo. Eis um dos imbróglios que obscurece os horizontes. Sob o argumento de que não se submeterá às práticas da “velha política”, o presidente Bolsonaro coloca imensa barreira entre o governo e a esfera parlamentar.
Além disso, a articulação política é feita de maneira dispersa, com protagonistas múltiplos destacados para a tarefa – general Santos Cruz, Onyx Lorenzoni, o próprio presidente, além de líderes do governo nas duas Casas congressuais –, a ponto de não se saber quem efetivamente é o responsável pela costura junto aos deputados e senadores. A própria base governista, formada por parlamentares de partidos que apóiam o governo, mais se apresenta como um amontoado sem rumo. O PSL, partido principal da base, é cindido, com alas em querelas constantes. O governo não tem saída que a de convencer parlamentares, inclusive da oposição, a aprovar as reformas.
A segunda viabilidade diz respeito ao escopo de dados e contextos econômicos alinhados sob a tese que se quer demonstrar. Entremos no caso brasileiro. A recessão já dá sinais de que pode voltar. O PIB caiu 0,2% no primeiro trimestre e a projeção é de resultado medíocre para o ano. Se a reforma da Previdência não passar, não haverá dinheiro para pagar aposentadorias. Ao contrário, se as reformas passarem, inclusive a tributária, as projeções mudam de rumo. O país poderá crescer ainda este ano 2% a 3%, como garante o relator da PEC 293/2004, que trata da reforma tributária, o competente ex-deputado Luiz Carlos Hauly.
Os inputs de natureza econômica assentam sobre uma base racional, lógica, não dando margem a interpretações emotivas. Ou se faz isso e aquilo, ou o país voltará às brumas tenebrosas do passado.
O terceiro eixo que mexe na roda das reformas é o cognitivo. Trata-se da área do conhecimento sobre as matérias pautadas. Se não houver amplo conhecimento por parte do corpo parlamentar sobre o que se debate, o compromisso com as matérias propostas será baixo. Da mesma forma, a sociedade carece ser bem informada sobre os temas a fim de que possa fazer pressão sobre os representantes. Conhecimento é uma carga transportada pelos meios de comunicação: interpessoais, grupais ou coletivos, usando a bateria da orquestra comunicativa: reuniões, conversas pessoais, debates, rádio, TV, redes sociais etc.
A comunicação do governo é falha. Há estruturas formais, um porta-voz general, redes usadas pelo presidente e seus filhos. A dispersão comunicativa desorienta. A ausência de um plano harmônico de comunicação é fator de balbúrdia.
Por último, a viabilidade organizativa, que diz respeito ao conjunto de meios e instrumentos- ministros, estruturas e articulação política -, que podem influir para fazer tramitar a ideia de maneira rápida, criativa e eficaz. Ou, ao contrário, sem coordenação, o fracasso ocorrerá.
Esses quatro tipos de viabilidade devem ser trabalhados de maneira ajustada, direcionados a alcançar metas e objetivos.
Analisando as molduras que cercam cada possibilidade, emerge um quadro mais claro de referências, do qual será possível extrair uma tentativa de resposta para a pergunta que encabeça este texto.
Gaudêncio Torquato – Jornalista, é professor titular da USP, consultor político e de comunicação Twitter@gaudtorquato
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