sexta-feira, 27 dezembro

    Magistrados apadrinham funcionário

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    CONQUISTA

    Era um simples debate sobre teoria da posse no estacionamento do antigo fórum de Contagem. O juiz Wagner Cavalieri, da Vara de Execuções Criminais, gostava de parar ali e discutir temas do cotidiano com servidores e colegas. Naquele dia, o funcionário da faxina que ouvia a conversa defendeu um ponto de vista jurídico com afinco e atraiu a atenção curiosa do magistrado.
    O juiz achou a situação inusitada. Investigou e descobriu que aquele rapaz, segurando vassoura e saco de lixo, era um sobrevivente, que usou a paixão pelo saber jurídico como combustível para lutar. Até então, uma das principais conquistas do jovem Samuel Santos da Silva tinha sido frequentar, como universitário, por apenas seis meses, a faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas).
    Sem conseguir pagar as mensalidades do curso, foi obrigado a desistir dos estudos. Ao saber disso, o juiz Wagner Cavalieri se juntou ao amigo e colega de profissão Afonso José de Andrade, hoje aposentado, para apadrinhar o trabalhador terceirizado. O jovem, então, conseguiu voltar à universidade. O apoio financeiro foi assumido durante anos também por diversos juízes que estão no fórum ou que passaram pela comarca. Aluno exemplar, Samuel se graduou cinco anos depois e hoje é estagiário de pós-graduação na Procuradoria-Geral do Município de Contagem.
    A luta que o jovem enfrentou, no entanto, começou muito antes, aos cinco anos de idade. Ele era o único companheiro da mãe, recém-separada do marido, quando saíram de São Paulo com destino a Minas, em busca de uma vida mais digna. Aqui, passou fome, dormiu em igrejas e praças e sofreu a fase mais difícil da sua vida em dias e noites na rua. Por pouco, ele e a mãe não se tornaram mendigos, como faz questão de enfatizar.
    Com problemas psicológicos, a mãe precisou ser internada. Apesar de mais um drama, Samuel sentiu, durante aquele episódio, o gosto da compaixão e da solidariedade. Sem lugar para ficar, foi adotado por um casal que tinha sido padrinho de casamento dos seus pais. Um marceneiro e uma faxineira que deram a ele uma cama para dormir, comida, educação e um lar com outros 11 irmãos. Viveu e cresceu de forma simples.

    O sonho é ser juiz

    “Ele tem grandes virtudes, é perseverante e sempre procura se aperfeiçoar. As dificuldades não o abalaram. Vê-lo graduado foi um prêmio pra mim, sensação de satisfação por ter apoiado alguém que não poderíamos perder no mundo jurídico”, destaca o juiz Afonso Andrade. “Ele sempre disse que seria um grande operador do Direito”, completou.
    O juiz Wagner Cavalieri lembrou que, ao longo de todo o curso, o rapaz fez questão de prestar contas das notas que tirava, dos trabalhos na faculdade e projetos futuros. “Desde o início, vimos que o Samuel não se fez de vítima e era extremamente interessado em teorias e teses jurídicas”, disse.