Adeus, Luzia. Perdoe o descaso. Siga mais forte, agora na alma e no inconsciente coletivo do povo brasileiro. O crânio humano mais antigo das américas. Encontrado na RMBH/MG, permaneceu cerca de 10.000 anos protegido pelo ambiente de grutas e pela natureza. Agora, destruído pelo homem. Os civilizados não destruíram a mulher negra forte e resistente, aquela que lutou e existiu por milênios. Em menos de 200 anos, depois de ser retirada de onde foi encontrada, é cinza. Antes permanecesse aos cuidados da natureza e não da humanidade.
O crânio de Luzia é referência para identificar processos migratórios na Pré-História. É um crânio negroide. Demonstra que pertenceu a processos migratórios africanos que permitiram ao homo sapiens negro povoar o mundo.
Central para entender o racismo no inconsciente coletivo. Primeiro grande processo migratório negroide em todo o mundo. Posteriormente, foi o de populações não negroides, que promoveram o enfrentamento dessas primeiras para se instalarem. Nascendo aí um sentimento racista.
Em Barão de Cocais/Minas, é possível encontrar o monumento da Pedra Pintada com pinturas rupestres, muito bem preservadas, e observar como aquelas populações viviam (as pinturas têm idade semelhante à Luzia).
Quando se visita o Museu Arqueológico de Xingó, em Sergipe, observam-se elementos de populações não negroides, parecidos com os índios brasileiros do tempo das invasões europeias. Mostrando como as migrações não negroides foram chegando em seguida àquelas que as precederam.
O Brasil é importante nas dinâmicas das migrações inclusive na teoria da transposição para as Américas pelo estreito de Berhing, primeiro as populações negroides, depois as não negroides.
É grande o peso da perda que o mundo e a humanidade sofreram com o incêndio do Museu Histórico Nacional no Rio de Janeiro. Referido aqui, superficialmente, apenas os tópicos pré-históricos brasileiros. Ao se avaliar todo o acervo perdido a única palavra que pode aproximar o sentimento de perda é incomensurável.
Mais importante do que punir os negligentes, imprudentes e que agiram com falta de perícia no trato do acervo do museu é imediatamente estabelecer a prevenção de novos eventos dessa natureza.
Certa feita, ao atuar em processo judicial (1991), foi necessário pleitear certidão de nascimento em Minas Gerais. O cartório disse que os documentos da época haviam se perdido em um incêndio durante a Revolução de 30. Ao oficiar a paróquia da cidade para o Batistério, a igreja prestou a mesma informação. Então, o Brasil precisa superar a cultura de tolerar as perdas provocadas por incêndios. Isso não pode ser normal.
Urge promover uma intensa interação e integração do povo com o patrimônio histórico para que isso cause aos governantes o constrangimento necessário a uma permanente ação de preservação desses elementos que compõem a identidade, presente no inconsciente coletivo do brasileiro.
Wagner Dias Ferreira – Advogado e Membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB/MG